“Odeiooo quando nos definem com rótulos de superação e heroísmo. Somos pessoas com deficiência. Tem que haver um equilíbrio neste pêndulo.”
É com essa declaração que a youtuber e deficiente visual Mari Romano chama atenção para a questão de como as pessoas cegas são tratadas por diversas vezes.
Apesar do tom de crítica, a estudante de Jornalismo leva a vida com bom humor, mas sem deixar de lutar por seus direitos. Por ter nascido prematura de seis meses e meio, Mari teve retinopatia, que causou o deslocamento da retina, provocando sua cegueira.
Ela admite que seu crescimento neste sentido foi mais fácil do que para pessoas que perderam a visão ao longo da vida e tiveram que se adaptar à nova condição.

Nas próximas linhas, a jovem de 23 anos nos conta como é sua vida no dia a dia com a falta de acessibilidade que enfrenta em sua cidade natal, Santos, no litoral sul de São Paulo. E, ao mesmo tempo, como é importante o uso da tecnologia em sua rotina.
Estudos
Mari estudou por 16 anos em uma instituição para cegos, que foi onde teve contato com a leitura emBraille, sistema de escrita e leitura para deficientes visuais. Mas também estudou em escola regular e fez curso técnico em informática, onde aprendeu um pouco a programar e também sobre análise de sistemas. No entanto, não gostou desta área.
Nesta época, aos 16 anos, em 2012, já possuía um canal no YouTube, onde abordava assuntos como música, games e Netflix, uma de suas paixões. No início, o foco não era voltado à sua deficiência visual, pois acreditava que não tocar neste assunto era um jeito de todos a tratarem normalmente, sem diferenças.
Inclusão e militância
Mari acredita que ainda falta as pessoas com deficiência serem incluídas de fato na sociedade.
“Ainda falta um equilíbrio, porque geralmente as pessoas ficam jogadas numa instituição e não saem para o mundo. A gente tem que ocupar todos os espaços possíveis, seja na faculdade ou nas escolas, nos bares, nas baladas, enfim em qualquer espaço. A gente tem que conviver com outras pessoas. A gente não pode segregar.”
Ela se define como uma “militante e ativista em prol das causas da pessoa com deficiência, do feminismo e da comunidade LGBT”. (Saiba o significado de cada letra dessa sigla aqui).
Jornalismo e acessibilidade
No entanto, seu pensamento mudou quando foi cursar a faculdade de Jornalismo, por influência de já possuir um canal em que podia se comunicar com todo mundo. Pelo fato das pessoas que assistiam a seus vídeos não virem ali o tema da deficiência visual abordado, passaram a pedir que Mari produzisse tal conteúdo.
Um dos quadros do canal é o Cegosfera, onde a futura jornalista aborda suas frustrações com a falta de acessibilidade que os cegos ainda enfrentam não só em Santos, mas em todo país, com bastante humor.
Mari conta, por exemplo, a dificuldade que é fazer uma compra em um mercado, pois, às vezes, tem que pedir ajuda. Isso não aconteceria se conseguisse identificar os produtos pela leitura dos rótulos com o auxílio de aplicativos, como o Tap TapSee (disponível para Android e iOS). Porém, nem sempre estas leituras funcionam. Em um dos episódios de seu canal, ela fez um vídeo em que diz que as grandes empresas poderiam fabricar a embalagem de seus produtos em alto-relevo. Com isso, conseguiria identificar muito melhor as marcas.
Isso também vale para as redes sociais. Ela utiliza sempre o Facebook, por meio de aplicativos de transcrição, assim como o WhatsApp. Já o Instagram, usa pouco.
Mas nos conta da existência da tag #PraCegoVer e diz: “A descrição de imagens do Instagram é muito importante para que nós com deficiência visual consigamos saber o que está disposto na foto. Começa a descrever com os pequenos detalhes para as coisas mais importantes da foto”, explica.
Fotografia e estágio
Com os recursos que a tecnologia dispõe, Mari aprendeu a fotografar num estágio da prefeitura de Santos onde utilizava uma Canon profissional. Ela usava o próprio corpo para centralizar a câmera debaixo do nariz e ver onde o objeto estava, que geralmente fica ao centro e pedia para alguém descrever esse local. “Eu já entendia de teoria fotográfica e depois passei a entender mais sobre a prática durante as aulas. Foi uma experiência bacana”, explica. Hoje, ela continua tirando fotos, mas com o uso de um smartphone.
Entre 2018 até março deste ano, estagiou na prefeitura de Santos, na parte de assessoria de imprensa. Atualmente, Mari trabalha com o pessoal da ONCB – Organização Nacional de Cegos do Brasil (que fica em Brasília), onde escreve boletins semanais para o pessoal da Rádio ONCB. Além disso, possui uma coluna semanal que trata do universo LGBT, na mesma rádio, chamada Conexão Arco-íris, onde dá dicas e faz análises e notícias sobre esta temática.
Namoro e Tinder
Mari como qualquer jovem do século 21 também utiliza os recursos da tecnologia para, de repente, conhecer gente bacana que possa vir a namorar. Ela já usou algumas vezes o aplicativo de paquera Tinder e só depois dizia para a pessoa que é cega.
No entanto, não se prende ao universo virtual e costuma sair para dançar e se divertir, geralmente em baladas LGBT. E diz que já ficou e namorou tanto pessoas cegas quanto as que enxergam.
Paixão pela música
Mesmo com um tom ativista, o canal jamais deixa a música de lado. São vários vídeos em que toca seu violão e faz covers de sucessos, como os da dupla Anavitória, entre outros artistas.
“O canal também traz música, que sempre foi uma paixão pra mim. Desde os 10 anos eu toco violão, então eu toco violão há 13 anos. E sempre pra mim é uma terapia, é o alimento da minha alma.”
Futuramente, Mari pretende aumentar a visibilidade de seu canal para que “mais pessoas tenham esta consciência de que nós, pessoas com deficiência, existimos sim. E que somos pessoas em primeiro lugar e que nós, mulheres, existimos sim e que nós somos tão boas e incríveis como os homens”, afirma.
Em breve, o conteúdo também abordará o universo LGBT, além de mais vídeos sobre o feminismo.
Para conferir a rotina da Mari Romano, é só acessar seu canal no YouTube, clicando aqui.
Fonte: Razões Para Acreditar