Instituto transforma salas de exames e quimioterapia em “aquários”

//Instituto transforma salas de exames e quimioterapia em “aquários”

Só em 2018, o Brasil registrou mais de 214 mil novos casos de câncer entre os homens e mais de 202 mil entre as mulheres, excluindo os de pele não melanoma, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Além disso, as estimativas apontavam para 12.500 novos casos de câncer entre crianças e adolescentes.

O câncer infantojuvenil atinge principalmente as células sanguíneas, como é o caso da leucemia, o sistema nervoso central e o sistema linfático.

Segundo o INCA, o câncer é a principal causa de mortalidade por doença (8% do total) entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos no Brasil. O diagnóstico precoce, no entanto, poderia salvar muitas vidas.

De acordo com estimativas, quando diagnosticado de forma precoce, o câncer infantojuvenil tem um índice de cura de 80% e, na maioria dos casos, os pacientes conseguem ter uma boa qualidade de vida após o fim do tratamento. Mas o tratamento pode levar anos para ser concluído. Por isso é fundamental que ele seja o menos confortável possível para a criança ou adolescente.

Segundo Laurenice Pires, gerente da área de saúde do Instituto Desiderata, a experiência do tratamento com exames de longa duração, processos invasivos e quimioterapia pode causar mal-estar, traumas e doenças psicológicas para esses pacientes, que estão em fase de desenvolvimento físico e psicológico.

Pensando nesses fatores, o Instituto Desiderata, que atua em sete unidades hospitalares do Rio de Janeiro, desenvolveu um projeto de humanização e ambientação dos locais de tratamento para essas crianças e adolescentes.

Os aquários

“Devido ao grande tempo que as crianças passam no hospital, horas, anos, decidiu-se humanizar os ambientes”, explica Laurenice. Os aquários, como foram apelidados, são espaços para receber as crianças e adolescentes que estão recebendo o tratamento contra o câncer.

Aquário Carioca no Hemorio – Foto: Instituto Desiderata/Divulgação

As salas de exames e quimioterapia são redesenhadas de uma forma que lembre o fundo do mar. As paredes são coloridas e pintadas com peixes e plantas aquáticas, os equipamentos são personalizados para parecerem submarinos e cores frias, como o azul, predominam no ambiente com o objetivo de trazer calma ao paciente.

Laurenice explica que a ideia surgiu após um longo processo de pesquisa para se compreender qual era a melhor forma de criar um ambiente que trouxesse segurança e tranquilidade para os pacientes infantojuvenis.

Foto: Instituto Desiderata/Divulgação

Muitas vezes, esses aquários recebem crianças que estão sendo atendidas pela primeira vez e o espaço lúdico ajuda a tornar os processos médicos um pouco mais confortáveis para os pacientes.

A psicóloga Juliana Mattos, que atende no Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, explica que o ambiente caracterizado como um aquário auxilia no processo terapêutico. “Às vezes, até os pais comentam que preferem o ambiente do aquário”.

Outra parte importante do processo terapêutico é a compreensão da criança e do adolescente sobre a necessidade dos exames e processos realizados. Juliana destaca que, quanto maior a sinceridade com o paciente, melhor ele aceita o tratamento.

A psicóloga explica que quanto mais o tratamento parece “desconhecido” para o paciente, mais medo a criança pode sentir.

Juliana também diz que é importante deixar claro para a criança que “chorar faz parte”, e que não é positivo esconder que certos processos causam dor ou desconforto.

Em casos de crianças muito pequenas, a psicóloga usa a técnica da brinquedoterapia, estratégia que utiliza brinquedos da própria criança para a desmistificação do tratamento.

“Um cateter, por exemplo, é um processo doloroso. Por isso a enfermeira utiliza o brinquedo para exemplificar aquele exame”. Para a psicóloga, a brinquedoterapia é essencial para ser sincero com a criança, o que estabelece uma relação de confiança entre o paciente e seus cuidadores.

“Era como estar no fundo do mar”

Patrícia Barros dos Santos é manicure e vive no Rio de Janeiro. Sua rotina mudou completamente após um de seus filhos, Vinícius, com 15 anos na época, ter uma febre alta e precisar de atendimento médico.

Após o resultado dos exames, ele foi encaminhado para outra instituição e em alguns dias lhe trouxeram o diagnóstico de câncer, mais especificamente uma leucemia crônica.

Patrícia relata que o choque foi grande naquele momento, mas sua primeira reação foi procurar formas de ajudar o filho. Buscou incessantemente informações sobre o que deveria fazer e qual o tratamento necessário para Vinícius.

Enquanto procurava instruções sobre como e onde tratar seu filho, descobriu o Instituto Desiderata por recomendações de terceiros. Ver o aquário foi uma boa surpresa. “Era como estar no fundo do mar e nos sentimos muito acolhidos”, conta Patrícia.

Vinícius passou cerca de quatro anos sendo tratado naquele aquário e agora está em uma ala de internação comum para adultos.

Além do aspecto visual do aquário, a mãe de Vinícius destaca a atenção que ela e seu filho receberam no hospital. Em diversas ocasiões, o jovem quis abandonar o tratamento, mas as enfermeiras e os psicólogos o ajudaram a seguir em frente.

Patrícia também relata que nunca teve dificuldades para se locomover até o local do tratamento, mas que, ao conhecer outras mães que frequentaram o lugar, ouviu histórias de famílias que iam de outros estados para buscar o tratamento no Rio de Janeiro.

Michele Rocha, atendente de uma loja de ração, é mãe de Millena, que, assim como Vinícius, também foi diagnosticada com leucemia aos 13 anos. Já faz um ano e meio que a jovem começou o tratamento.

Michele conta que o diagnóstico da filha foi desesperador. Ela tinha medo da reação de Millena ao tratamento. Temia que a jovem deixasse de ser alegre e comunicativa. Mas isso não aconteceu.

Segundo a atendente, sua filha mostrou coragem diante da situação e não só manteve seu canal no Youtube, como também começou a falar sobre o câncer nesse espaço.

Para Michele, o atendimento humanizado que a filha recebeu no hospital fez toda a diferença.

Dados e Advocacy

Os aquários são parte do projeto Unidos pela Cura, um conjunto de políticas públicas para a melhoria da oncologia pediátrica no Rio de Janeiro, que promove desde 2005 a capacitação de profissionais da área da saúde, organização de encaminhamentos de suspeitas de câncer para hospitais especializados e constante monitoramento dos casos.

Laurenice, gerente da área de saúde do Instituto Desiderata, explica que um dos trunfos da atuação do Desiderata é o atendimento rápido às crianças e aos adolescentes. “Quando há uma suspeita de câncer, o paciente é encaminhado para um acompanhamento específico em até 72 horas”, conta.

Além disso, todos os casos recebidos são monitorados, o que tornou possível a construção de uma base sólida de dados sobre os casos de câncer infantojuvenil no Rio de Janeiro.

Um dos frutos dessa base de dados é o Panorama da Oncologia Pediátrica, que analisa os resultados alcançados dentro da oncologia desde 2014 pelo Instituto, através da análise dos registros de diagnósticos, novos casos e óbitos.

O Panorama conta com estimativas tanto sobre o estado do Rio de Janeiro como em nível nacional. Porém, o instituto tem atuação física apenas no Rio de Janeiro.

Roberta Marques, diretora executiva do Desiderata, afirma que a produção de pesquisa e conteúdo, como cartilhas informativas, sobre o tema da oncologia tem servido como base para uma atuação de Advocacy dentro do poder público do Rio.

Entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro, o Instituto realizará seu 5º Fórum de Oncologia Pediátrica (FOP). O evento visa conscientizar o poder público sobre a necessidade do avanço de políticas para o combate ao câncer infantojuvenil.

Além do Fórum, o instituto também pauta o tema da oncologia pediátrica por meio de campanhas online e pesquisas de satisfação sobre os tratamentos realizados.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Observatorio3Setor

2019-09-18T13:00:34-03:00